20 de mar. de 2009

Fios da vida


Meu sangue árabe borbulhou diante de tanto tecido nos mercados tradicionais de Bali (toda cidade tem um). Essas obras de arte estão em todos os cantos: pendurados na frente das “lujinhas”, empilhados nas mesas, enrolados nos corpos dos balineses. Em indonésio, mercado eh “pasar” e vem do árabe baazar. Empolgada por estar na terra do Batik (estampa feita com cera e aquarela) e do Ikat (tecido feito com fios desenhados e tingidos artesanalmente), meu impulso era sair comprando, comprando, e a preço de banana. Foi quando, subindo uma das ruelas de Ubud, conheci a Threads of Life – fios da vida – uma organização metade gringa, metade balinesa, que apóia a continuidade da tradição da arte têxtil indonésia.
Em seus motivos e usos cerimoniais, os tecidos têm significados profundos que sustentam a cultura do povo através dos séculos. O batik balinês celebra as cores e flores da Ilha dos Deuses. O batik de Java é repleto de padrões geométricos que refletem a influência árabe e fazem bonito nas cerimonias. O ikat duplo é a coisa mais intricada e intrigante que eu já vi - leva mais de um ano pra ser feito e é usado em rituais super importantes, como casamento e dote da mocinha. A tradição têxtil molda a vida das pessoas, dá prestígio e identidade a uma vila.
Bom, e daí, como todo mundo sabe, vem o trator chamado mercado, a produção em massa, a migração do campo para as cidades. As pessoas param de plantar as árvores que dão a tinta vermelha, o intenso índigo, param de fiar o rústico algodão, produzem uma ou outra peça por ano e não raro vendem essa relíquia a preço de banana para o turista, que muitas vezes não sabe o que tem em mãos nem o impacto que a venda do tecido tem na comunidade – os tecidos são sagrados e devem ficar ali! A Treads of Life entra em cena para mostrar que a tradição tem seu valor no contexto global e moderno. O resgate do uso de tingimentos naturais e da tecelagem artesanal e a segurança de um lugar justo no mercado (a Treads faz parte da rede de comércio justo) restaura o orgulho de ser tecelão, fortalece a cultura e assegura que a vida continue a brilhar.
Na Treads você aprende como o Ikat é feito, enche os olhos com tecidos de várias partes do pais e encontra pessoas que celebram a sabedoria indígena, o senso de comunidade e de pertencimento ao lugar de origem e estão a fim de ajudar a manter o espírito das artes têxtis da Indonésia. Adivinha se eu não bati cartão por lá?

4 de mar. de 2009

Balde pela metade: cheio ou vazio?

A economia balinesa tem se pendurado cada vez mais no turismo, sugando as riquezas naturais e afetando a paisagem e o vai-e-vem de indonésios e vizinhos asiaticos que aumentam o adensamento da ilha em busca de trabalho. Um dos passeios mais gostosos de Bali é pelos arrozais espalhados. Eles estao por todos os cantos da ilha e há quem diga que são os mais fotogênicos do planeta. Bali já viveu uma época áurea quando o arroz regia a vida das comunidades. Hoje, 15% da ilha, ou 83 mil hectares, é área inundada para a plantação do cereal, uma produção de 800 mil toneladas ou 500g para cada balinês por dia. No entanto, todos os dias, Bali perde de 1 a 3 mil hectares de campos de arroz por falta de água ou por conta do avanço imobiliário. Para produzir 1 kg de arroz são necessários mil litros de água. Num hotel cinco estrelas, gasta-se de 1,5 mil a 4 mil litros de água por quarto por dia; numa hospedaria modesta, 400 litros, e 80 litros por dia por pessoa numa casa balinesa. Sentiu o drama?
Tenho me hospedado em homestays, pequenos chalés dentro do terreno da família, onde é possível compartilhar o modo de vida simples e alegre dos locais. Alguns têm chuveiros e todos têm um baldão cheio de água e uma canequinha, que serve para fazer meio banho ou lavagem completa. Não tinha experimentado o banho de baldinho (como nos tempos de criança na casa da vovó), até chegar na Casa de Crianças Yayasan Narayan Seva, um projeto da Ananda Marga que recebe a molecada como uma família. A hora do banho eh diversao garantida. A criançada se ensaboa ao ar livre no esquema baldinho, faz a maior festa e na sequência ainda lava a roupa que usou no dia. É claro que eu embarquei na onda e fiquei feliz com o resultado: um balde de 5 litros foi o suficiente para eu ficar limpinha e cheirosa. Aí, alguém pode dizer que isso nada mais é do que a face da pobreza, da falta de recursos. Bem, a gente pode ver o copo com metade de água como cheio ou vazio. Para mim, o banho de baldinho é o bom uso dos recursos, limitados sim, para o pobre, para o rico, para todos os terráqueos.